quinta-feira, 23 de maio de 2013

A Grandeza de Ruy Mesquita

por Marco Antonio Rocha

"Era domingo. Vladimir Herzog havia sido morto nas dependências do DOI-Codi no dia anterior, sábado, 25 de outubro de 1975.

Eu, meus filhos e minha mulher Olinda, já falecida, estávamos na fazenda da mãe dela, em Guaratinguetá (SP). As emissoras de rádio noticiavam a morte de Vlado juntamente com o comunicado oficial do 2.º Exército de que ele cometera “suicídio”.

As rádios informavam ainda que “as autoridades” buscavam outros comunistas mencionados num bilhete que o Vlado tentara rasgar, mas elas haviam reconstituído. Entre os procurados – vários colegas nossos – surgia também o meu nome. Depois de conversar com minha mulher, resolvi me apresentar e, em seguida, liguei para o Estadão. Puseram-me em contato com o Dr. Ruy Mesquita.

Ele me disse que viesse para São Paulo, mas não fosse para minha casa, e sim para a redação do jornal. Tomamos um táxi, eu e Olinda (meus filhos, pequenos, ficaram na fazenda), e viemos para São Paulo.

Fui para a redação do jornal. Ali o Dr. Ruy me disse que naquela noite eu dormiria na casa dele e só no dia seguinte decidiríamos se eu me apresentaria às chamadas “autoridades”, ou não. Passei, de fato, a noite na casa do Dr. Ruy, no quarto do filho dele, o Ruyzito, que estava viajando.

No dia seguinte, segunda-feira, eu, o Dr. Ruy, Olinda e o presidente do Sindicato dos Jornalistas, Audálio Dantas, fomos os quatro ao quartel do 2.º Exército para que eu me apresentasse. Fomos recebidos pelo general Ferreira Marques, uma vez que o então comandante, general Ednardo D’Ávila Mello, tinha ido para Brasília.

A conversa durou cerca de meia hora, com a presença de outros oficiais graduados. E nela ficou acertado que eu permaneceria nas dependências do 2.º Exército para prestar depoimento e responder às perguntas que me fossem feitas.

O importante, na conversa, foi o que o Dr. Ruy disse ao final, e que resumo no seguinte: ele, Dr. Ruy Mesquita, e o jornal que dirigia, o Estado, a partir daquele momento passariam a considerar o general Ferreira Marques pessoalmente responsável pelo que acontecesse ao jornalista Marco Antonio Rocha, que ali estava presente e ali ficaria para ser interrogado.

O oficial-general, pretendendo não ter entendido o porquê da advertência, protestou que ela era inteiramente desnecessária, ao que o Dr. Ruy afirmou que se tornara necessária à luz dos fatos do sábado que haviam resultado na morte do jornalista Vladimir Herzog, não no quartel-general, mas em dependência policial militar vinculada ao 2.º Exército. Com esse final, todos se despediram e eu fiquei “internado” para o depoimento e interrogatório que durariam uma semana.

Eu não era, até então, ninguém especial, nem no jornal nem na vida do Dr. Ruy ou de sua família. Não podia esperar ser tratado pelo patrão com a hombridade, dignidade e coragem demonstradas pelo Dr. Ruy naqueles dias trágicos e politicamente violentos.

Dois anos depois, o mesmo patrão, que nada me devia, nem mesmo laços de amizade, teria um segundo gesto de apreço pela verdade e pelo seu funcionário, ao comparecer perante o Tribunal Militar para depor em minha defesa no processo em que fui acusado de ser subversivo, comunista e traidor da Pátria, nos termos da Lei de Segurança Nacional da época, que, como quase ninguém hoje sabe, ou se lembra, previa pena de morte para os condenados. Fui absolvido.

De tudo ficou em minha consciência o exemplo de um dos melhores e mais atentos jornalistas que conheci nos meus 55 anos de profissão, mas também de uma figura humana de grandeza sem par: Ruy Mesquita.


Transcrevo aqui artigo escrito pelo jornalista Marco Antonio Rocha no dia seguinte ao falecimento do dr. Ruy Mesquita e publicado no Blog do Noblat, ontem, 22 de maio.
Acrescento que não conheci o dr. Ruy e que não conheço o jornalista autor do texto: mas creio que ambos merecem a homenagem singela deste blog.

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