quarta-feira, 26 de junho de 2013

Arca do Tesouro

Pintura - Cristo Carregando a Cruz, de Hieronimus Bosch

A belíssima pintura flamenga, organizada e serena, é tão distante do cenário de horrores da pintura de  Bosch que pode dar a impressão que seus autores eram antípodas e de eras muito diferentes. No entanto, a paisagem deles era a mesma, seu mundo exterior muito próximo e a distância temporal entre eles, mínima. Quando Jan van Eyck morreu, por exemplo, Bosch estava nascendo.

O mundo de beleza e harmonia da pintura flamenga tradicional é o oposto do mundo de horrores e de imaginação desenfreada que vemos nas obras de Hieronimus Bosch.

Há em seus quadros imagens alucinadas, como a de um estranho animal enfiando à força um galho pontiagudo em uma imensa orelha. Ou uma criatura de cabeça gigantesca que abre a boca para mostrar lá dentro pessoas atrás e em baixo de uma mesa. Ou um homem apanhado por um enorme chapéu que descobre que uma de suas pernas está criando raízes. Pessoas voam pelos ares, como o casal que passa voando, montado num peixe, no dramático “A Tentação de Santo Antonio”.

Apesar de suas obras, com os animais e monstros bizarros que ele inventava, serem criações da Idade Média, elas não diferem muito da pintura dos surrealistas de nossos tempos. Bosch pintou em uma época de transição. Sua pintura sem dúvida nenhuma demonstra sua preocupação com aquele mundo que se transformava diante de seus olhos. Na verdade, olhado por esse prisma, Hieronimus Bosch é, curiosamente, muito atual.

São muitas as suas obras-primas e neste apanhado tive que escolher entre elas, escolha difícil, posso assegurar. Eis a escolhida: Cristo Carregando a Cruz (1515/1516)




Numa composição extremamente avançada para a época, uma série de rostos muito próximos uns dos outros para os quais não há paralelo na arte do período, esse quadro de Bosch é um verdadeiro estudo de expressões faciais humanas e de semblantes demoníacos.

No entanto, os elementos da composição, apesar de caóticos e caricaturais, não extrapolam, e o equilíbrio fica mantido para enfatizar a serenidade do rosto delicadamente moldado do Cristo, no centro de tudo. No meio do tumulto, o perfil de Santa Verônica que se afasta da multidão com o pano que traz marcado, com muita nitidez, a “vera imagem” do rosto de Jesus Cristo.

Óleo sobre madeira, 74 x 81 cm.

Acervo Museu de Belas Artes de Ghent, Bélgica


por Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa
Da seção Obra-Prima do Dia publicada originalmente no Blog do Noblat em 15/1/2010

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