sexta-feira, 7 de junho de 2013

Arca do Tesouro

O Paquera

Conheci o Batalha quando ele ainda era garoto. Aliás, todos os que foram meninos aqui no bairro conheceram o Batalha. Naquele tempo o bairro era calmo, os garotos unidos, havia espaço, era ótimo. O Batalha era um garoto legal, e só depois que foi crescendo é que foi ficando feio. Ao atingir a puberdade, o Batalha já era tão feio que – francamente - eu estava vendo a hora que ele ia acabar Presidente da República.

Talvez tenha sido a feiúra dele que o levou ao vício de espiar mulher de longe. Namorava à distância, sem que a moça soubesse de nada, para não estragar o namoro. Uma de suas primeiras experiências amorosas ensinou-lhe esse truque. Laurinha, que era muito bonitinha e muito senhora de sua beleza, que a secura da rapaziada exaltava às pampas, era, por isso mesmo, perversa como só ela. O Batalha namorou-a durante dois anos e, quando ela soube, desfez. Foi até tragicômico: alguém foi dizer para ela que o Batalha falava pra todo mundo que namorava ela. Laurinha não conversou: telefonou pro Batalha e, no que ele disse “alô”, ela lascou.

- Escuta aqui, seu nojento, se eu te pegar de novo me olhando com esse seu olhar de garoupa congelada, eu cuspo, tá bem? – e desligou o telefone e as esperanças do rapaz.

Talvez tenha sido desde aí que o Batalha aprendeu a apreciar mulher de longe. Depois de homem feito e feio – definitivamente feio – já o bairro estava todo edificado na base de altos edifícios. Batalha especializou-se em espiar mulher da janela.

Foi quando se deu a história triste que ele me contou como, de resto, me contou esta última, pois sabe que eu não vou sair pela aí esparramando, como fizeram quando ele era paquera oficial da Laurinha. Deu-se, eu dizia, que o Batalha ficou tempos de olho numa mocinha que morava no prédio em frente. Um dia ele pegou e contou pra mim que ela não só notara o interesse dele como também aderira. Ficava do lado de lá, muitas vezes, debruçada na janela, de olhar na sua direção. Ele achou, inclusive, que a mãe dela não fazia gosto porque, em dado momento, chegava para a mocinha, segurava-a pelo braço e levava pra dentro, estragando tudo. A mocinha era muito dócil, e ia.

Eu nem devia ter contado esse episódio, pois é muito triste, mas serve para ilustrar muito bem o caipirismo do Batalha. Na verdade, a mocinha não era dócil. Era cega, isto sim. E o Batalha só soube tempos depois, quando teve a oportunidade de vê-la de perto, na rua. Ficou sentidíssimo: afinal, a primeira que olhou fixo para ele só o fazia porque não o enxergava. É duro.

Mas não é à toa que ele se chama Batalha. Há coisa de uns meses, mudou-se para o Leme e andava entusiasmado com uma dona do edifício que dava fundos para a sua rua. É que ela tomava banho de sol no terraço com um biquíni um bocado minibiquíni.

Isso foi no começo. Com o correr do tempo ele foi me contando mais coisas. Por exemplo: estava certo de que a moça percebera sua paquera, embora a paquera fosse de uma distância considerável. Ela olhava em direção à sua janela e sorria:

- Ontem ela tomou banho de sol só com a parte de baixo do biquíni – me falou certa, vez, com a voz embargada de emoção. E, num recente encontro, dei com o Batalha sobraçando enorme pacotão. Disse-me que a dona do Leme estava se despindo totalmente para ele.

- De manhã, quando eu vou espiar, ela já ta lá, nuinha no terraço. E fica horas, na mesma posição. Peladinha – garantiu. E ratificou: - Peladinha.

- E esse pacotão aí? – perguntei.

- É uma luneta. Ela merece. Meu binóculo nunca foi grande coisa. Ela merece uma luneta. Gastei uma nota para comprar esta luneta, mas ela merece. Vou estrear amanhã, se fizer sol.

E lá se foi o Batalha e seu pacotão. Eu não o vi mais, até esta semana. Vinha cabisbaixo e meditabundo – adjetivos que sempre se juntam para definir o cara que entra numa fria.

- Como é, Batalha? E a dona do Leme?

- Nem me fale – suspirou.

- Já sei. Mudou-se.
- Pior. Ela tava me gozando...Você não se lembra que eu falei que ela ficava horas nuinha, na mesma posição?

Fiz que sim com um movimento de cabeça.

- Pois é...Comprei a luneta, e só aí eu reparei. Ela sabia que eu olhava e fez aquilo...

- Mas fez o quê?

- Armou no telhado um manequim velho. Botava a peruca dela no manequim e deixava lá, para me enganar.

- Puxa vida... tem certeza?

- Absoluta...eu vi pela luneta, na coxa dela tava escrito “Made in USA”.


Homenagem de Paulo Lima a Sergio Porto (Stanislaw Ponte Preta 1923-1968)
Transcrito da Navetta* (30/12/2009)

4 comentários:

  1. Delícia de texto!

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    1. Como todos os do Sergio Porto, não é, Bia? Grande cronista. E um presentão do querido Paulinho Lima. bj,
      MH

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    2. Se Sergio/Stanislaw ainda fosse vivo, teria que reeditar diariamente o Febeapá.
      Material não falta...

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  2. Além de feio azarento !!!!!!!
    Abraçãooooooo
    Jotajo

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