segunda-feira, 8 de julho de 2013

Falso "antirromântico", por Dênis de Moraes

Prosa Online, O Globo
A chamada “história oficial” costuma acusar Graciliano Ramos de “antirromântico”, apontando o seu temperamento seco e introvertido como a antítese do ser apaixonado. Essa aleivosia cai por terra quando se desvelam os fatos reais. Antirromântico um homem que ia a batalhas de confetes no carnaval e blocos de sujos com Maria Augusta? Antirromântico um homem que levava maçãs frescas para agradar Heloísa com a fruta favorita?

                                     Heloísa e Graciliano, 1944 - Foto: site oficial Graciliano Ramos


Graciliano amou intensamente as duas mulheres de sua vida. Quando perdeu Maria Augusta, em 1920, vítima de complicações no parto do quarto filho do casal, guardou luto durante um ano. Aparecia vestido de preto na loja de tecidos e se fechava em caminhadas solitárias nas noites de Palmeira dos Índios, Alagoas. Não poucas vezes chorou de saudade ao lembrar-se do namoro avançado para os padrões conservadores da época. Na ponta dos pés, arriscava beijar a namorada debruçada na janela de casa.

Em 1928, o amor cruzou-lhe novamente o destino. A paixão avassaladora por Heloísa, de 18 anos, tirou o chão de Graciliano, aos 36 anos e prefeito eleito de Palmeira. Amor à primeira vista? Apenas para ele, que passou por cima da condição de ateu para vê-la na missa dominical, depois de conhecê-la numa quermesse. Desesperado com a distância involuntária entre os dois (Heloísa morava em Maceió), recorreu a uma coleção de cartas apaixonadas para conquistá-la. A cada correspondência, era traído pela vocação literária; as palavras incumbiam-se de desaprisionar e expandir o sentimento: “Estou a atormentar-te, meu amor. Perdoa. Se não fosses como és, eu não gostaria de ti. És uma extraordinária quantidade de mulheres.”

Finalmente, na festa do réveillon de 1928, Heloisa concordou em “namorar de perto”. Naquela mesma noite, Graciliano lhe propôs casamento. Ela ponderou que era um pouco cedo; gostava dele mas não o amava ainda. “Não faz mal”, respondeu o prefeito. “O amor que tenho por você é tanto que dá para nós dois.” Casaram-se em menos de dois meses.

Heloísa salvou-lhe a vida em fins de 1936, apelando ao escritor José Lins do Rego e ao editor José Olympio para que intercedessem junto ao gabinete de Getúlio Vargas, único modo de o marido escapar dos infortúnios no presídio da Ilha Grande, onde fora encarcerado sem processo e sem culpa formada. Heloísa foi solidária nos momentos mais tortuosos da existência de Graciliano (os dez meses e dez dias de cárcere, as dificuldades financeiras, a crise de alcoolismo, a doença fatal).

Os 25 anos de amor só foram interrompidos com a passagem de Graciliano, em 1953. Na última vez em que se falaram no hospital, Heloísa perguntou-lhe: “Ateu tem medo de morrer?” Emocionado, o “antirromântico” Graciliano confessou: “Não tenho medo. Mas é que ainda tenho tanto amor para dar...”


Transcrito do blog Prosa, portal O Globo, de 7/7/2013

2 comentários:


  1. A declaração de amor dele merecia estar no post de hoje sobre o assunto, lá no filhote...
    "O amor que tenho por você é tanto que dá para nós dois."

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  2. É linda mesmo. E acaba que ela se apaixonou perdidamente por ele. Entre no site oficial dele. É bom. bj,
    MH

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