quarta-feira, 3 de julho de 2013

Para a Hora do Chá


Dobrada à moda do Porto 

Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo, 
Serviram-me o amor como dobrada fria. 
Disse delicadamente ao missionário da cozinha 
Que a preferia quente, 
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.

Impacientaram-se comigo. 
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante. 
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta, 
E vim passear para toda a rua.

Quem sabe o que isto quer dizer? 
Eu não sei, e foi comigo ...

(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim, 
Particular ou público, ou do vizinho. 
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele. 
E que a tristeza é de hoje).

Sei isso muitas vezes, 
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram 
Dobrada à moda do Porto fria? 
Não é prato que se possa comer frio, 
Mas trouxeram-mo frio. 
Não me queixei, mas estava frio, 
Nunca se pode comer frio, mas veio frio. 


Fernando Pessoa  (Álvaro de Campos)

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