quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Armas não letais, por Ivan de Carvalho

Balas de borracha e bombas de gás e de “efeito moral”, apelidadas pelas autoridades de “armas não letais”, foram, nas manifestações de rua de junho e mesmo de julho, largamente usadas contra os “vândalos” – apelido dado por autoridades e comprado pela mídia aos que se envolveram em depredações e até roubos de mercadorias em lojas arrombadas.

Muito lamentável é que autoridades e mídia não se preocuparam em identificar exatamente a composição dos grupos de vândalos que insistiam em fazer suas ações paralelas às manifestações absolutamente pacíficas. Então acabavam surgindo, quase invariavelmente à margem, isolados das manifestações principais pela rejeição dos próprios manifestantes, os “vândalos”.

Compondo esses grupos de vândalos certamente havia pessoas com ideologias totalitárias, outras apenas exercendo suas próprias tendências naturais à violência, bandidos profissionais ou eventuais que se aproveitavam do tumulto para invadir lojas e roubar mercadorias e, finalmente, os “infiltrados”, gente posta lá por quem devia zelar pela ordem para provocar desordem que lhes permitisse atingir politicamente as grandes manifestações que abalaram os governantes.

Mas estou escrevendo isto hoje por um motivo especial. Foi o dia em que tomei conhecimento de uma carta. Eletrônica, como é desses tempos.

Em São Paulo, o fotógrafo Sérgio Silva, no exercício de sua profissão e exercendo direitos garantidos pela Constituição brasileira, que documentava uma manifestação, foi atingido no olho esquerdo por uma bala de borracha, uma inocente “arma não letal”. No dia 25 de julho ele recebeu dos médicos a desconfortável notícia final de que jamais voltaria a enxergar com o olho atingido. Vai colocar uma prótese, não para ver, mas para que as outras pessoas não vejam. Não percebam com muita facilidade o resultado plástico da crueldade de que foi vítima.




O fotógrafo Sérgio Silva (foto acima) iniciou na Internet uma petição (abaixo assinado que continua recebendo signatários, no site Change.org) ao governador de São Paulo e outras autoridades a este subordinadas, pretendendo que seja proibido o uso de “armas não letais” como as balas de borracha, as bombas de gás lacrimogêneo e as outras. É bom lembrar que esteve sendo usada no Rio de Janeiro a arma conhecida pela sigla Taser, que dispara um raio elétrico de alta voltagem.

Classificada como “não letal”, a arma Taser pode ser letal, se usada além dos limites de prudência (coisa comum quando entregue a policiais despreparados psicologicamente e indevidamente instruídos) ou se, mesmo dentro destes limites de uma suposta prudência, atinge alguém com problemas cardíacos, a exemplo de arritmias. Pode desencadear uma parada cardíaca.

Mas, em resposta aos muitos signatários da petição a que deu origem na Internet, o fotógrafo Sérgio Silva enviou carta dando conta do desfecho médico do seu caso, acrescentando: “Mas o pior mesmo é olhar para o tempo e ver que os abusos por parte da polícia nas manifestações não tem fim. Desde que eu, vários jornalistas e manifestantes paulistas fomos feridos por balas de borracha e bombas de gás, ficamos sabendo de outros casos no Rio de Janeiro de pessoas que também perderam a visão ou se machucaram gravemente. Definitivamente, isso não pode continuar!”. Tive a nítida impressão, praticamente certeza, acompanhando o noticiário dos fatos, que várias vezes a mira foi feita deliberadamente no rosto. As circunstâncias indicavam isto.

Bem, se uma arma Taser pode matar, também uma bala de borracha não é tão inocente como os governos querem que as pessoas acreditem. Ela também pode matar. Disparada de perto e atingindo uma das têmporas, pode ser fatal. No Rio de Janeiro houve também quem perdesse a visão, como também quem ficasse gravemente ferido, em consequência da inócua bala de borracha.

E já que dissemos que uma arma Taser, mesmo se usada nos limites de uma suposta prudência, pode matar uma pessoa cardíaca (e são extremamente numerosos os cardíacos, atualmente, e cada vez cardiopatias atingem pessoas mais jovens), vale uma observação sobre as bombas de gás: o que acontece se um portador de doenças pulmonares sérias, um asmático grave, por exemplo – que vai passando e nada tem com a refrega entre a polícia e os “vândalos” ficar exposto a uma nuvem desse gás e não receber um socorro imediato e adequado?


Acontece um enterro.

Transcrito do blog Bahia em Pauta, de 6/8/2013

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